Sempre quis ter um gato. Desde que ouvi dizer que são os animais mais independentes que se pode ter. Queria um gato. Assim crescia eu e o gato, independentes um do outro. Nunca o tive. A minha mãe não deixou.
Descontente, dei as boas vindas ao Tico e ao Teco, os peixinhos dourados que substituíam o meu gato independente. Não gostei, não podia dar-lhes festinhas. Só tinha piada quando vinham buscar a comida. Quando podíamos contemplar o interior das bocas. E eu dava comida. E dava mais. E continuava a dar.Morreram passados 2 dias.
Mas também não era meus. Não os queria. Queria um gato.
Vieram a Tuga, a Tuguíssima e a Tuga, a Terceira. Exactamente nesta ordem. A primeira foi vítima do pé nº 38 da mulher-a-dias. Ela é que a pisou e eu é que levei um raspanete por deixar a tartaruga passear pela casa. Só queria deixá-la fazer um pouco de exercício. Estava sempre encurralada no aquário.
Mas não me importei. Não era minha. Eu queria um gato.
A segunda atirou-se do aquário (mistério que ainda persiste), logo no dia em que eu o deixei no parapeito para apanhar sol. Se vivêssemos no rés do chão, tínhamos evitado a poça verde no quintal da vizinha. Aliás, se fosse um gato tinha caído direito no chão, sem mazelas. Amuei quando tive de ir limpar os resíduos viscosos. Ela nem era minha.
A terceira hibernou durante ano e meio e a mãe decidiu atirá-la pela pia. Ainda hoje acho que havia uma hipótese de ser apenas um longo período de hibernação. Mas também não disse nada. Não me interessava.
- Quando tiveres a tua casa, escolhes o animal que quiseres. – diziam-me constantemente. E assim esperei. Passei da infância para a puberdade. Entrei no curso técnico para assistente de consultórios dentários. E comecei a trabalhar com a Dra. Jossara Violão.
Estava contente. Parecia ter escolhido a profissão certa. No início escolhi o curso por me parecer um bom sítio para trabalhar. Onde as pessoas pouco podiam reclamar, por estarem sempre de boca aberta. E até se ganhava bem.
Mas agora transportava-me um pouco à minha infância. Sorria por debaixo da máscara, sempre que me lembrava do Tico e do Teco. E tinha de combater a vontade de atirar comida para dentro das bocas dos pacientes.
Fui poupando e finalmente comprei uma casa só para mim. Era minha. Agora sim queria e tinha escolha própria. Já ninguém me proibia de nada. Fui ao shopping e comprei um gato. Era preto, com olhos verdes e um sorriso nos lábios. Era meu. E não importava se era apenas uma imagem estampada num porta-chaves. Era um gato e era independente. Tal como eu!
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