Ao acordar sabia sempre quando era Sábado. Sabia-o pelo cheiro a torradas e pelo barulho que velha torradeira fazia quando lhe abriam as tampas laterais.Espreguiçava-se sempre muito lentamente. Hábito que foi perdendo com os anos. Com as rugas vieram as pressas.
No tempo em que o mundo girava mais devagar adorava ver as suas cortinas, com os vários tons de azul reflectidos no tecto pelos raios de sol matinais. Sentir o edredão de penas de pato, que a confortava nas noites mais frias. Contar os bigodes do gato que dormia na cadeira ao lado da cama.
Suspirou e sorriu.
Ao descer as escadas o cenário era sempre idêntico. A avó sentada na cadeira com a perna torta, a molhar o pão do dia anterior no café com leite. A mãe a insistir – “Come este que está fresquinho. Acabámos de o trazer.”Mas a avó tinha as suas manias, comia sempre o pão ressequido – “Para não se estragar.”
A cozinha branca, guarnecida de um lambrim com pequenos tachos e panelas em tons amarelados. Onde aos sábados reinava sempre o caos pela manhã. Nas 4 assoalhadas da casa, aquela era sempre a mais movimentada. Ali a vida tinha pitadas de emoções com cheiro a especiarias.
Hoje, que olha para trás e relembra momentos, sabe que foi naquela cozinha que cresceu. Onde se escondiam lições valiosas e temperadas. Aprendeu que o tempo não pára. Cresceu enquanto os lambrins saíam de moda e o mundo girava mais depressa.
Suspirou.
Passou a mão na parede, sentindo as saliências dos antes amarelados tachos e panelas. Alguns negócios são pecados, pensou. Mas já não lhe era permitido voltar atrás.
Fechou a porta e rodou a chave dentada uma última vez. Entregou-a à vendedora e, no caminho para o carro, suspirou-se em lágrimas.
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