Caixa de Segredos

Silêncio. Shhh! Essas coisas não se dizem! – dizia a minha tia Luz. Sempre que me ouvia falar do que não gostava, mandava-me calar.
- Mas tia, porque não? Não me posso casar com a Rosa porquê?As sobrancelhas arqueavam e eu já sabia que vinha raspanete.
- Já te disse que as meninas casam com meninos. E não se fala mais nisso.

Eu não percebia. A minha mãe sempre me explicara que o Amor é que era importante. E que a base de tudo era a Amizade. E eu não podia casar com a minha melhor amiga! Porquê?
A tia Luz lá me explicava que dizer certas coisas poderia ser mal interpretado. Para me calar, ofereceu-me um conjunto perfumado de papel e caneta. Era azul e tinha borboletas. “Para escreveres o que não deves dizer.”
- A Rosa é a minha melhor amiga e quero ficar com ela para sempre.
- A minha tia é má porque não me explica o que quer dizer mal interpretado.
- O cão da vizinha cheira mal, mas eu gosto muito dele. E deixo-o lamber o meu nariz.
E assim comecei a escrever os meus segredos. Papéis soltos. Papéis sem nexo na caixa de madeira.
- Hoje foi o primeiro dia de escola e a professora é simpática e tem um dente torto.
- Já tenho uma amiga nova, chama-se Mariana. Ela é muito bonita
- Hoje jogámos ao Bate pé e dei o meu primeiro beijinho ao João. As meninas gostam todas muito dele e ficaram com inveja.
- Finalmente cheguei ao 7º ano. Vou começar numa escola nova. Espero conseguir fazer amigos novos.
Papel atrás de papel a minha vida foi crescendo. Os interesses apurando. Os gostos aperfeiçoados. As pontas dos is passaram a bolas redondas. Os L tornaram-se apenas um traço e separei o S do C para passar a cruzar o X.
Apesar de já perceber o que pode ser mal interpretado, há temas que permanecem tabu. Continuo a usar os papéis soltos para contar ao mundo o quanto te amo.
E para aquelas palavras que não se escrevem, só tu podes vê-las nos meus olhos. O brilho que te escapa.
Todos os dias escrevo num papel “ Eu amo a Vanessa”.
Já os contei, são 143 segredos iguais dentro da caixa. O meu maior desejo é, um dia, escrever “ A Vanessa também me ama”.

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