Partilhas

Tive uma infância que pode ser considerada normal. Quando dei por mim, já adolescente, debatia-me com a questão da liberdade. Parecia-me sempre estar preso. Sem possibilidade de escolher. Fui para o curso para seguir as pegadas do meu pai. Era católico sem ter escolhido sê-lo. Vestia o que me compravam. Somente ao almoço escolhia entre carne ou peixe. E se escolhesse salada saía mais caro.

A vida continuou. Depressa chegou o primeiro emprego e a escravidão diária da rotina.

Já com alguns anos de vida laboral, chegou mais um Natal. Como sempre, fomos todos convidados para a dita festa. E lá estava eu, preso, naquele mundo que não entendia. Naquele espaço, com aquelas pessoas, daquele emprego. Afastei-me. Fui para o canto mais recôndito da sala. No canto ninguém me olhava de trás. No canto estava seguro.De relance vi a Valéria. Encostada a um canto, tão perdida quanto eu. Não me recordo de ter ido ao seu encontro. Só sei que nas horas seguintes, pela primeira vez na minha vida, socializei.Socializei com alguém tão marginalizado como eu. Partilhámos estórias e cruzes. Eu e ela estávamos presos.

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