Não vos consigo sentir. Não é falta de sensibilidade, apenas não vos consigo sentir. Tocar, cheirar, acariciar. Não consigo.
Existo paralelamente à vossa vida. Não estou morto, apenas não vivo humanamente.
Vivo nos pensamentos, nas bibliotecas e a cada pôr-do-sol encontramo-nos na praia. Nós, os da minha espécie. Adoramos ouvir o sol, os acordes ao despedir-se de mais um dia.
No meu trabalho guio quem vos deixa. Na morte, essa palavra que, para vocês, é fria. Mas nós não sentimos o frio. Na realidade a morte é só o início de outra vida. Uma vida como a minha. Não humana.
Enquanto vos guio na nova estrada, atrevo-me sempre a perguntar o que mais gostaram. Aponto no meu livro cheio de coisas boas.
Foi numa dessas situações que te encontrei. Enquanto esperava que uma vida se desvanecesse do vosso lado e começasse do meu. Olhaste-me nos olhos e contrariaste-me. Parecia que me conseguias ver. Como se fosse possível tocares-me. Como se pudesses alterar destinos.
O destino manteve-se. E eu não me consegui afastar.
Deixei-te ver-me, conhecer-me. Mas nunca tocar-me. Só porque não vos consigo sentir.
Quando percebeste que não existia dor para mim, continuaste a não acreditar em anjos.
Não acreditavas em anjos, mas apaixonaste-te por um.
Ele, que não deixa nada ao acaso, deu-nos algo em comum – a vontade própria. O livre arbítrio. A mudança.
E eu queria mudar. Por ti atirei-me. Caí. Acordei humano.
Fomos felizes. Por uma noite sentimo-nos.
Absorvi cada toque, cada cheiro, todas as emoções. Fomos felizes.
Demasiado depressa aprendi a chorar. Finalmente percebi porque as lágrimas caíam.Olhaste para mim uma última vez. Acariciaste-me uma última vez.
Quando te perguntaram o que tinhas gostado mais, disseste o meu nome – Seth.
Perguntam-me se valeu a pena. Apenas por um toque teu. Por um cheiro teu apenas.
Sim, valeu.